Por Leozito Coelho

24 de abril de 2010

Fim?

1.
Dúvida se escrevo ou envio o bilhete. Por e-mail é inovador. Se bem que, analisando friamente, deve existir caso parecido. Até mais criativo. Vanguarda não é comigo. Nunca foi. Melhor deixar por escrito mesmo. O problema é a letra. Médico tem letra feia. Um orgulho da classe. Meu receio é de que não entendam os garranchos. E se der margem a questionamentos? A psicografia é uma hipótese, mas não convém arriscar. Se ao menos tivesse uma impressora. No hospital tem.

2.
Na colorida ou na preto e branco? Que dúvida. Passei a noite digitando o bilhete no editor de texto. Agora não consigo decidir entre a jato de tinta e a laser. A primeira empresta uma aparência mais limpa e precisa aos caracteres; a segunda, pobre e borrada. Gostaria de um visual mais clean neste testamento de despedida. Portanto, a colorida. O problema é que ela demora mais a imprimir. E fica em outro andar. Um colega pode aparecer, bisbilhotar o documento. É muito perigoso. Ainda mais com um título desses em fonte 36, negrito: "Carta de um médico suicida". Porra.

3.
Escrevi tudo a mão. Foda-se.

4.
Ligo pra mãe antes do fim? Vontade de ouvir a voz dela. Daquela coroa abastada filha de uma égua. Oi, sou eu, tudo bem?, só pra avisar, tô pulando do apartamento, aquele mesmo que aluguei após você me tocar de casa, da casa que era de nossa família, só pra você poder ficar dando o rabo com mais tranquilidade para esse substituto do pai. Era isso, mãe. Adeus. Ligo ou não? Dependendo da conversa, acabo com vontade de matar em vez de me matar. Filho, você já é grandinho para esse tipo de brincadeira, agora me deixa cuidar da casa, sim? Ah mãe, você esculacha.

5.
Liguei pra pizzaria. Quatro queijos gigante, por favor. O colesterol que se exploda. A essa altura...

6.
Pulo ou me jogo na frente de um ônibus? No salto há o frescor do voo, embora ínfimo. Mas vai que, por um azar, eu sobreviva à queda? Sétimo andar não é tanta coisa. Daí passo o resto da vida entrevado na cama. Com uma enfermeira limpando meu cu três vezes ao dia. Pondo talquinho. A alternativa é o ônibus. Mergulho de cabeça entre as rodas, quando o veículo estiver zunindo pela avenida. E ainda me vingo da linha que já me fez esperar tanto por suas lotações. O problema: rosto desfigurado, caixão fechado. Por que tudo é tão difícil?

7.
Comprei um vidrinho de cianureto. Parto desta como o Goebbels e a filharada nazista dele. Quanta honra.

8.
Bebo a solução deitado, certo. Mas de pijama ou totalmente nu? Visto o terno de uma vez? Vejamos. O pijama está com um rasgo debaixo do sovaco. Um rombo. E nem cogito comprar um novo, por  preguiça de me relacionar com vendedores de loja comissionados. Que se fodam. Nu também não dá. Imagine, todos percebendo a pequenez do meu pau, depois comentando no velório, os primos rindo furtivamente pelos cantos. Merda. Sobra o terno. Tenho que mandar lavar aquela porra. Faz tempo que não uso.

9.
É hoje.

10.
Antes ou depois da partida? Nem me toquei. Hoje à noite, meu time enfrenta o Vasco na final da copa. Daí a dúvida. Acompanho o jogo e... comemoro?! Ou me antecipo a uma possível frustração, dando termo à vida antes do apito do juiz? Vejo o jogo e me mato pra esquecer do resultado? Adio pra amanhã? Amanhã só tem novela e filme dublado. Dá até mais vontade de acabar com tudo.

11. 
No afã da comemoração, esbarrei na mesinha de centro. O vidrinho rolou e se espatifou no chão. Pensei em lamber o líquido, feito um cão sedento. Mas não o fiz. Saí de casa, fui tomar uma cerveja no boteco. Para celebrar a vitória.

12.
Fim?


___________

8 comentários:

Ju Branco disse...

Hahaha, caraca Leo.. ri muito! Hahaha, principalmente na parte de se jogar na frente de um onibus.. certeza que vc tava pensando no Pinheirao/Vila Clara quando escreveu isso! Hahahahah!
Saudades!
Bjao!

Unknown disse...

Ah, Léo, futebol é mesmo a razão de viver da maioria dos homens... Ai, como eu odeio futebol!!!

Unknown disse...

kkkkkkkk!!!! Essa foi demais! Que imaginação, menino...
Saudades!

Cleila

Beatriz Cândido disse...

Demais, Leo!
Cada vez melhor!
Beijo.

Keila Costa disse...

Muito bom querido! Frases econômicas, reflexões submersas, imensas...
Beijos e saudades...

Carlota Joaquina disse...

Não sei se gostei mais do texto ou do comentário da keilinha, kkkkkkkkk

Bailarina disse...

Ô gente, a parte da enfermeira foi a melhor!

Cara, te sigo no twitter (e vice versa?) e só hoje é que resolvi passar por aqui!

Gostei!

Abraços

Keila Costa disse...

Oi Leo,

estou passando aqui para lhe dizer que seu blogue está entre os meus 15 escolhidos ao Prêmio Dardos.
Todas as especificações sobre o prêmio está na última postagem do meu blog:

http://entrelugares.blogspot.com

Passe lá para conferir.

Beijo,
Keila

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