Por Leozito Coelho

11 de julho de 2009

Perdido da Silva

Um dia escrevo, ah escrevo! Anota aí: aproxima-se a hora em que deixarei o recado sob o ímã. O ímã da geladeira. Faço questão de que seja o ímã do serviço de telepizza, em que o motoboy equilibra a redonda na palma da mão, montado em sua moto, uma moto que não é moto, mas o número do telefone da pizzaria, desculpe, sou de divagação, devagar ação, sei lá, eu ia dizendo da opção do ímã, então, eu escolheria o ímã por causa dela, para que se entupisse de ódio ao notar o bilhete, para que gritasse um ‘já vai tarde fédaputa!’ ao ler o conteúdo sob o íma, um íma que vai além do objeto, veja bem, um íma que, no fundo, ironiza suas ofensas contra mim, contra o meu hábito pouco salutar, segundo ela, o meu hábito de comer pizza toda noite.

Que fique claro, o salário dela é maior que o meu. Todo mundo sabe disso e por ‘todo mundo’ me refiro a pais, parentes, amigos, amigos distantes, amigos mortos, inimigos, vizinhos, porteiros, pessoal do escritório, taxistas, caixas da padaria e vou parando aqui, pois ela é assim, afeita ao ego, afeita ao prazer de atolar meu nariz no barro com seu salto-agulha. Ela é diretora, tem equipe própria, comanda uns trinta funcionários, uns pobres-coitados tolhidos por essa governanta de cabaré. Agora eu, euzinho, eu tenho apenas essa estagiária, presta atenção naquilo, uma fedelha que não me ouve e nem me obedece, fica ali no planetinha dela o dia inteiro, metida no ipod, trajada igual uma putinha novaiorquina, ruminando o piercing na língua, fingindo que trabalha. Ah desculpe, sei que me alongo, mas em resumo, ela é um destaque e eu um desmoralizado, um cagado da vida. É duro dizer isso assim, preto no branco, mas é a verdade. Não me venha com essa de ‘a verdade dói’, pois eu discordo, a verdade não dói porra nenhuma, a verdade é a diarréia que te liberta, o que dói mesmo é a feiúra, entende?, a feiúra dói na alma, e aí é foda.

Já estou concluindo, fióte.

O que me resta nessa confusão toda é vencê-la, e assim ordeno uma pizza a cada dia, é portuguesa na segunda, margerita na terça, calabresa na quarta, quatro queijos na quinta e dependendo do humor desço uma lasanha ao sugo para o desfecho da semana. E é neste estágio de entupimento, precisamente, quando ocorre o evento mais esperado da jornada, ela gira a chave, chega estropiada de cansaço e se depara com a cena, imagine se puder, a cena do marido se entalando de comer no sofá, lambendo os dedos enquanto assiste ao futebol, o queixo brilhoso, eu mesmo em carne e osso e pizza, e isso meu amigo, isso basta para que ela enlouqueça e abandone o pedestal da chefona, da poderosa chefona, igualando-se de imediato ao meu nível, um nível baixo, e xingando a mim e às pizzas, é parasita, é peidorreiro, é zoado, é seboso, é fodido de mãe e pai, é estrupício, é palavrão que não termina e mais e mais. Finjo que não é comigo, sabe como é?, mantenho os olhos na tela e a boca na gordura, pois é onde queria chegar, onde reside o meu prazer, o prazer de vê-la se esgoelar e se debater feito uma lagartixa do rabo talhado, toda lacrimosa da burrice que cometeu ao se juntar comigo, resignada com o futuro lastimável que eu lhe proporciono a cada dia, e do qual, veja bem, ela não tem coragem de se livrar. Mulher é um bicho estranho, rapaz.

Não sou um cara mau, posso até parecer, mas não sou. Se fosse mau, ruim mesmo, nem pensaria no recado sob o ímã. Mas eu vou libertá-la, meu caro, vou trazer a verdade à tona, é chegado o momento. O homem evadiu-se, eis tua alforria criatura! Algo assim. Vai ser melhor pra nós dois. Anota aí. A gente acostuma com o martírio, coisa de mártir, eu não nasci pra isso, nem ela, talvez só por um tempo, mas já chega. Era isso. Isso tudo. E agora vamos trabalhar, anda, fazer algo de útil nessa vida, aproveita e chuta aquela retardada, olha lá, está quase dormindo, aposto que ouve música de ioga no ipod, deve tomar banho com esse troço na orelha, nunca vi, o mundo está perdido, perdido da Silva, é ou não é?

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3 comentários:

Luana Fleury disse...

Que bom que você está de volta, amor! E em grande estilo. Só deixe claro, please, que a única semelhança com a vida real é você GOSTAR de pizza. Hehehe

jornalaico disse...

É, gosta de pizza, mas moderadamente, acrescente. Sempre moderadamente. Em tudo. Só não é moderado ao escrever. O estilo é tudo. E vc tem estilo, garoto!

Carlota Joaquina disse...

Simplismente: amei!!!!!!!!!!!
Dá uma olhada lá no meu blog e leia o Caos, quero saber se vc sentiu a dor daquela pessoa, se consegui ser assim como vc: "sentível"
Bjs amigo, pena q vc não veio pra nossa festa de 5 anos de formados que foi regada a pizza, sério, vc ia adorar,rs.

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