Por Leozito Coelho

13 de setembro de 2007

Corretivos

Menino é assim, chumba o peru em qualquer greta. Outra noite acordei com os relinches do Guto. Fui checar o porquê da algazarra e dei com o menino pondo no tuim do bicho. Ah, fiquei tomado de possessão. Torci a orelha do moleque, xinguei-o todinho e descarreguei meu ódio com uns tabefes. A mulher veio acudir o menino, mãe é assim, uma bajuladora do caralho. Aí larguei mão do fedelho e voltei ao quintal. Guto estava ofegante, com olhos de pavor. Socava as patas traseiras na terra. Não havia mais a fazer. Somente acariciei suas orelhinhas, o lombo, e me desculpei em nome do menino.

Na manhã seguinte, despertei com certo mau-humor. Encontrei o covardezinho à mesa e o derrubei com um tapa espalmado. A mãe, intrometida, ficou me enchendo, não bate nele, é pequeno, está na fase da descoberta, qual homem nunca carcou um eqüino?, e por tudo isso acabei esmurrando a boca dela e a atirando contra o chão. Depois puxei um café e tomei as rédeas do Guto rumo ao Parque Municipal.

Guto é um pônei que gosta de ser adulado, que chacoalha a cabeça quando está contente, que alegra as manhãs da criançada. Ele possui a feição inocente dos cavalinhos e, por ser avançado em idade, torna-se ainda mais simplório e encantador. Não hesito em confessar: eu amo o bicho.

Mas sua doçura evaporou-se após ser enrabado pelo filho-de-uma-trola. O animal está arredio. Quando um pequeno se aproxima para lhe fazer um chamego, Guto imediatamente inicia um ritual de relinches, coices e urros descontrolados, sempre temeroso de que ocorra mais um atentado à sua honra de pônei macho.

A situação repercutiu nas finanças. A meninada passou a preferir a Maria Bonita, o Jorge Eduardo, o Sossegado, a Rosinha, o Moleque Travesso e outros animais que trabalham no Parque Municipal. Procurei conversar com o bicho, acalmá-lo, dizem que eles entendem a palavra humana, mas infelizmente não teve jeito: bastava um pirralho chegar perto para que se enervasse todo. Resumindo, enguiçou de vez.

Eu ia largá-lo na avenida, mas não tive coragem. Bateu o sentimento. Então toda a frustração que eu sentia por ele e por mim acabou resultando numa efervescência interior que me tirou da seriedade, dos eixos, da sanidade mental. Foi neste estado cataclísmico que adentrei o barracão com o pônei, eu distribuindo mãozada, o bicho só na patada, o moleque e a mulher levando bordoada até da sombra, sem tempo nem para as lágrimas. Após expulsar os dois, conduzi o bicho até o cubículo que pertencia ao moleque. Este é o seu quarto, eu disse, pode dormir tranqüilo.

Engraçado é que hoje, em plena madrugada, acordei sobressaltado por ruídos e dei com o pônei ao lado da minha cama, mirando-me com ternura excessiva. Posso até afirmar que sorria com olhinhos de jabuticaba. Desde então, tenho refletindo sobre nossa relação. Talvez seja necessário aplicar-lhe um corretivo para reforçar a amizade.

2 comentários:

Anônimo disse...

Entre a premissa bestial e o desfecho comercial, só tenho uma coisa a declarar:

-- Ufa!

thgmx disse...

Curral da serra...

ta certo.


O texto me lembrou dessa animação, (nada a ver).
Outras brincadeiras de criança... Perigoso botar o poney pra dentro de casa, final trágico para Indien, Cowboy et Cheval.

http://fr.youtube.com/watch?v=9NzwWWoM7T0

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