Por Leozito Coelho

16 de julho de 2007

Amar Magali

Apesar de tudo, amo profundamente Magali.

Digo assim, ‘apesar de tudo’, porque sofri danos auditivos consideráveis em nossa relação. Seus gritos durante a cópula impressionam pela potência. Os graves e agudos, urrados em alternância, lembram os ganidos de uma cadela sendo escorraçada por um gerente de padaria. Com todo respeito à cadela.

Quando estou por cima, Magali fica maluca, treme toda, e berra: Espeta!, Cava!, Vai cavando!, Cava fuuuundo! Se estou embaixo, ela dispara expressões eqüestres do tipo Iúpi!, Trota!, Põe na égua, oh!... É um espetáculo assustador, do qual participo vividamente. No gozo, Magali joga a cabeça para os lados, sacoleja o quadril, quase desfalece, enquanto solta um brado grosso, cavernoso, vindo das entranhas: Roooonca periquita!

Magali esgoela os vocábulos à máxima capacidade pulmonar. Chega a ficar rouca, o que impossibilita uma trepada subseqüente (ela só dá uma). Lembro-me da primeira vez em que fizemos amor. A polícia fora acionada por vários vizinhos ao mesmo tempo. “Rápido! Ele vai parti-la ao meio!”, gritara o policial na delegacia, remedando a voz de uma anônima sobressaltada ao telefone. Eu e Magali fomos liberados, mas assumimos o compromisso de revestir acusticamente as paredes do quarto. As espumas custaram caro, gastei todas as minhas reservas.

Após dois anos de namoro, percebi que estava perdendo audição. Eu, um jovem publicitário, tendo de me curvar para entender o que me diziam? Definitivamente havia algo errado. Pedi emprestado ao amigo Jota Matoso um decibelímetro. O aparelho registrava digitalmente o nível de ruído ambiente, exibindo os decibéis em um display de cristal líquido. À noite, ajeitei o equipamento sobre outro travesseiro e fui por cima de Magali. Enquanto socava-lhe o pilão (ou cavava-lhe a mina, na linguagem dela), eu observava as medições sendo colhidas e apresentadas no visor. Elas variavam entre 85 e 90 decibéis.

Acessei a Internet para me informar. Na página da Associação Brasileira de Normas Técnicas havia uma tabela com nomes de equipamentos e o nível de ruído que produziam. Os urros de Magali equivaliam aos sons emitidos por um cortador de grama, ambos tipificados na faixa “extremamente alto”. Ela era, de fato, uma máquina, o que me cobriu de orgulho.

Mostrei os registros ao Matoso, quando bebíamos em um boteco próximo de casa. Após analisar os dados, concluiu que Magali era mais barulhenta do que a prensa hidráulica de sua fábrica, cuja produtividade ultrapassava cem pregos por minuto. Ele me entregou um par de protetores auriculares, embalados em um saco plástico. “Se não quiser ficar surdo, acople-os aos ouvidos durante a relação sexual”, arrematou.

Magali não se opôs ao uso dos protetores. Na verdade, aquilo passou a excitá-la. Comprou-me um capacete e botas de borracha para aprimorar a fantasia do ‘operário safadão’ – personagem brilhantemente interpretada por mim. Agora, ela se extasia aos berros de Queeeeima maçarico! ou Laaaasca tarugo!, conforme exige o universo siderúrgico que eu represento.

Hoje em dia, Magali deita-se sobre meu corpo após o orgasmo. Retira os tampões dos meus ouvidos e sussurra eu te amo como se tivesse mel na boca. E eu ouço tudo direitinho, com muito prazer e felicidade.

4 comentários:

Anônimo disse...

O conto é seu, mas inventei atores imaginários a fim de fruí-lo.

Deu certo (aparentemente).

Anônimo disse...

Vc está cada vez melhor... o final romantico deixou tudo tão leve e puro....

Anônimo disse...

Não vou dizer que vc está cada vez melhor, mas que mantém o nível, o que dá no mesmo. Acho que fui vizinho da Magali...

Anônimo disse...

A linha entre o absurdolítico e vida soul-real é tênue. Quase vi Alessandra Negrini interpretando Magali, Nelson...Muito Bom, Nelson!

Arquivo