Cena 1: Raimundinho galga a ruela íngreme que leva ao seu barracão. Nota-se um sorriso cortando-lhe a face.
Cena 2: Após trancar a porta, estranha o negror que inunda os cômodos, inclusive a pequena sala onde está.
Cena 3: A luz do abajur se acende. Ilumina o fundo do recinto, onde está Marinéia. Ela tem uma pistola prateada na mão direita. Está sentada, com o braço apoiado na mesinha sobre a qual repousa o abajur.
Cena 4: Ela diz: Não suporto mais suas baixezas, sei que tem outra mulher. Agora, peça perdão para ir em paz.
Cena 5: Raimundinho se ajoelha: Pelo amor de Deus, mulher, acredita em mim, um caminhão chegou no fim do expediente, tive que descarregá-lo, por isso atrasei...
Cena 6: Engraçado, ela diz, após beber um gole de água. Há sempre um problema de última hora às quartas-feiras. Coincidência?
Cena 7: Não é por acaso, ele responde. É o dia em que chegam mais caminhões.
Cena 8: Ele se levanta, palmas das mãos para cima: por favor, acredite em mim.
Cena 9: Marinéia tem os olhos marejados. Ama-o.
Cena 10: Flashback - Ela vendo a foto que chegara pelo correio, à tarde.
Cena 11: Ela sentencia, com voz trêmula: Que Deus decida por nós, Raimundo. Você se apresse aí...
Cena 12: Close - O dedo indicador de Marinéia, cuja unha rutila um vermelho plasmático, aperta o comutador do abajur.
Cena 13: Tudo escuro. Escuta-se uma voz feminina: É a sua chance, Raimundo.
Cena 14: Ouve-se certa correria. O barulho de algo caindo no chão.
Cena 15: No meio da escuridão, surgem os clarões dos disparos, feitos a esmo, multidirecionais.
Cena 16: O negrume retorna, silencioso. De repente, um som seco. (Como uma saca de arroz caindo no solo)
Cena 17: Close - O dedor indicador de Marinéia acende o abajur.
Cena 18: Raimundo está morto no meio da sala, cerca de um metro de distância da cadeira de Marinéia. O sangue percorre os veios formados pelas junções das tábuas de madeira.
Cena 19: Marinéia chora. Levanta-se e joga-se sobre o corpo dele. Diz: Seu filho-da-mãe, você me obrigou, me obrigou!
Cena 20: Ela volta à cadeira. Limpa as lágrimas com as mãos. Tira a foto do bolso da jaqueta jeans. Olha para ela.
Cena 21: Close - Vê-se Raimundo, sorridente, ao lado de uma negra de lábios grossos e cabelos trançados. Ela está beijando-lhe a face esquerda.
Cena 22: Close - O rosto consternado de Marinéia muda de repente. Ela empalidece, os olhos se arregalam, os lábios se distanciam, ela leva a mão à boca.
Cena 23: Zoom - Novamente, a foto. Cada vez mais próxima. Vê-se a calça de Raimundo e a saia da negra. Agora os pés. O foco pára na borda inferior direita. Percebe-se o polegar de Marinéia, logo acima, a segurar a foto. Lê-se uma data impressa em caracteres eletrônicos: 24.09.2003
Cena 24: Marinéia grita não!, não!, debate-se contra as paredes, arremessa a cadeira contra a televisão. Assassina!, Assassina!, esgoela e chora.
Cena 25: Escuta-se o desespero de Marinéia ao fundo. Vê-se o corpo de Raimundo, depois a televisão trincada, depois a cadeira caída com os pés rachados. A imagem pára em um quadro de camurça, sobre o qual estão fincadas doze fotos. Elas estão quase na penumbra, iluminadas pelo longínquo abajur da mesinha. Ainda assim, é possível visualizá-las.
Cena 26: Vê-se uma foto de Marinéia de véu e grinalda, sendo carregada por Raimundo, que veste um terno cinza. Mais a esquerda, outra foto: Marinéia, Raimundo e outras pessoas festejam, ele estoura um champanhe. Acima, outra foto: os dois bebem champanhe e exibem, orgulhosos, as alianças nas mãos direitas. À esquerda, lê-se em uma tira de papel, escrito à mão: "Onde tudo começou...". A imagem desce. Uma foto de Marinéia e Raimundo em um sofá. Eles se beijam calorosamente. Ela tem a mão esquerda na face direita dele. Raimundo agarra-lhe a cintura. Observa-se uma mesa com garrafas de cerveja, salgadinhos e copos plásticos perto do sofá onde os dois estão atracados. A imagem se desloca lentamente para a borda inferior direita da foto, aproximando-se cada vez mais. Lê-se a data: 01.11.2004. Corte.
Cena 27: Ainda, a data. Silêncio no recinto. Escuta-se um clique. A foto some e dá lugar à escuridão.
Cena 28: Um estampido. Um clarão ilumina efemeramente o recinto.
Por Leozito Coelho
1 de abril de 2006
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Um comentário:
Leo seu sanguinario!! To morrendo de pena do Raimundo!
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