Por Leozito Coelho

2 de setembro de 2005

A história de Lina e Lola em cinco atos

A loira chegou às 14 horas, como previsto. Imediatamente ficou à disposição dos cliques fotográficos. Posou logo com dois meninos entre os braços, ambos negros, pobres, desnutridos e bastante tímidos. Depois com uma garota de dez anos, Lola, já prostituída mas agora reabilitada pela Fundação. Ela beijou as crianças no rosto, afagou-as, deu autógrafos. Declarou ser gratificante ajudar uma causa tão nobre como a dos menores infratores das favelas cariocas. O diretor da Fundação a corrigiu, é dos menores órfãos. No salão ao lado, um coquetel aguardava jornalistas, fotógrafos e outras celebridades presentes. As crianças foram levadas para a creche da Fundação.

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As fotos da campanha Adote uma Vida foram publicadas nos grandes jornais do Rio de Janeiro, inclusive em revistas nacionais e regionais. A atriz deu inúmeras entrevistas relatando a importância da Fundação, das milhares de crianças salvas por casais adotivos, e afirmando que o futuro do Brasil seguia a direção da solidariedade mútua. O diretor confirmou Lina Boaventura como embaixatriz da entidade.

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A campanha teve uma repercussão positiva na carreira de Lina Boaventura, que fechara contratos para atuar em dois filmes nacionais, um internacional, e uma novela da Globo. Passou a receber cachê dos programas de televisão dominicais, arranjou um outro namorado, também ator, e comprou mais uma cobertura, agora em Ipanema. Assinou com a Playboy, edição de julho. Comprou um Mercedes prateado, conversível, vidros escuros e câmbio eletrônico. Estava bastante feliz, confessava ao namorado enquanto banhava seu corpo de champanhe.

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Lola fugiu uma semana depois do lançamento da campanha. Queria ter os vestidos elegantes daquelas mulheres cheias de graça e beleza. Deixou um recado com a coleguinha de quarto da Fundação: Mimi, vou ganhar minha vida. Cansei de leite e pão todo dia. Em breve, você vai me ver na tevê. Eu e a Lina. Pode esperar. Beijo da sua melhor amiga, Lola. Seu ponto era na Avenida Atlântica, onde conseguia programas por até trinta reais. Fazia sempre no carro, não a deixariam entrar no motel com o cliente. Estava feliz, apesar do cansaço.

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Lina e Eduardo procuravam diversão. Encostaram o carro prateado no passeio, abaixando o vidro elétrico. Edu diminuiu o volume do som. Lola se debruçou na janela, perguntando automaticamente o que eu posso fazer pra te agradar? Então reconheceu Lina no banco do passageiro, e gritou Lina!, sou eu!, lembra de mim?, tiramos fotos juntas!, da Fundação! Lina arremessou a lata de cerveja no rosto da menina, dizendo cresça e apareça sua preta fodida! Edu subiu o vidro e aumentou o som depois de arrancar o automóvel. Lina gargalhava, você viu só que peste! Lola estava deitada no meio-fio, o sangue escorrendo do meio da testa e ganhando os olhos, o nariz e a boca. Uma chuva fina começou a cair, lavando suavemente o sangue do corpo da menina, as calçadas, o asfalto, os carros estacionados, os telhados e toda a sujeira que sobrenadava a cidade maravilhosa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa Leo,achei esse conto barra pesada!! Bom pra nos lembrar da sociedade podre em que vivemos.

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