Fui despertado por cocô de pomba caindo na testa. É um ato involuntário: o fiofó do bicho esguicha a coisa sem que ele perceba. Por isso, não alimento qualquer ódio pelo animal. E convenhamos: quem dorme na Praça Sete tem de estar preparado para tudo.
Já limpo, telefonei para o Brenão. “Aqui é Jô Didô, minha arte é nossa cor. Preciso de você, rapaz.” Ele chegou ao Cine Brasil em meia hora, trazendo consigo a mini-câmera.
Brenão cursa Cinema na Federal. Gosta de pobre e de arte. Também pretende rodar o documentário Jô Didô: cada rima, uma dor. O título é amargo. Dor? Que dor? Adoro viver, ora.
Enquanto eu me despia, Brenão observava a sujeira e a imensidão do cinema abandonado. “Não me conformo que um artista do seu porte viva em condições tão precárias”, resmungou. Depois sentou em um degrau e começou a folhear um livro de auto-ajuda.
Eu me aproximei dele, já inteiramente nu. “Está na hora?”, perguntou. “Arte não tem hora nem lugar, é fenômeno”, respondi. Brenão anotou a frase em um caderno. Em seguida tirou a fita adesiva do bolso, utilizando-a para acoplar a câmera à parte interna da minha coxa. A lente do equipamento apontava para as minhas bolas, que seriam registradas em um ângulo inusitado – de baixo para cima. Brenão pressionou o REC.
Saí peladão do Cine Brasil. Perambulei durante trinta minutos pelo centro da capital. Os pedestres desviavam, contendo o riso. A localização da câmera obrigava-me a andar com as pernas arreganhadas. Com certeza, uma cena engraçada. Quanto aos policiais, fingiam não me ver. São todos meus chapas.
Semanas depois, expus a vídeo-instalação na Bienal de São Paulo. Consistia, basicamente, na projeção cinematográfica dos meus testículos em movimento. Intitulei a obra de Passeio pelo centro da cidade em horário de pico. Brenão chorou ao vê-la pronta.
Por Leozito Coelho
13 de novembro de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Horário de pico, gosta de pobre e de arte, ato involuntário, são todos meus chapas... Coisas assim também fazem a sua arte, Leozito. Só não gosto é câmera em vez de câmara, mas fazer o quê? Todo mundo agora escreve assim...
Abraço. E um beijo na patroa.
Calbercan
Postar um comentário