O frasco adormece vazio sobre o carpete. Por pouco não fora triturado pelo desmoronamento de Inácio, cuja opulência impedira um falecimento vertiginoso e resultara em um tombo moroso, por partes, em slow motion. Justamente por ser gordo, Inácio já começa a exalar o cheiro de carne apodrecida. Se fosse menos prodigioso em pelancas e sobras, provavelmente começaria a feder um pouco mais tarde. De qualquer maneira, Mirna decide pôr fogo nele. Agora, o aroma aproxima-se do churrasco, o que a faz salivar. Pecado, ela pensa, é comer gente morta, gente flácida e morta. Então ela escuta batidas na porta. Tem de pensar rápido: joga-se sobre ele, bebe o outro frasco ou pula? Morrer queimada, nem pensar. Veneno demora, pode terminar envenenada e esturricada. O jeito é pular, conclui.
Mirna abre a janela. Dali vê as tendas dos seguidores armadas ao longo das dunas. À sua frente, o penhasco agiganta-se. Lá embaixo, as ondas rebentam com ferocidade. Ela teme o sofrimento físico, mas evita refletir sobre tais pequenices e por fim salta com vigor rumo à imortalidade. Sim, a imortalidade que ela e Inácio pretendem provar em breve aos súditos desconfiados, frágeis e acima de tudo covardes que os seguem.
Por Leozito Coelho
19 de novembro de 2007
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