Por Leozito Coelho

29 de novembro de 2006

Horário de almoço

- Trancou?
- Hum rum.
- Tem certeza?
- Tenho.
- Se der merda, já viu...
- Não se preocupe.
- E o pano?
- O que tem o pano?
- Serviu?
- Ah. Sim, sim.
- Aquele tamanho deu?
- Hum rum.
- E ficou bem amarrado?
- Hum rum.
- Então, podemos almoçar tranqüilos.
- Por favor. Estou faminto.
- Não teremos surpresas na volta?
- Tudo indica que não.
- A fuga é improvável, para não dizer impossível, certo?
- O menino é fraco. Muito osso e pouco músculo.
- Não se livraria sozinho...
- De forma alguma.
- Mas ele é miúdo...
- Hum rum.
- E qualquer tecido, como sabemos, relaxa...
- Vamos andando?
- Os braços raquíticos do garoto poderiam escapulir por essa folga?
- Apertei bem forte. As mãos dele ficaram até roxas.
- O quê? Abre aí, quero vê-lo.
- Mas por quê?
- Sem circular o sangue, ele pode ter um troço.
- Em meia horinha?
- Você almoça rápido assim?
- É um tempo normal.
- Quantas vezes você mastiga o alimento?
- Não faço essa contagem.
- O ideal é oitenta vezes. No mínimo.
- Prefiro não pensar em nada enquanto almoço.
- Esse método auxilia a digestão e aumenta a sensação de saciedade.
- Foda-se.
- Foda-se seu.
- Toma a chave. Pronto.
- Por quê?
- Abra, inspecione, verifique, faça o que bem entender. Eu vou almoçar.
- Estamos nessa juntos. Esqueceu?
- Não aguento mais suas neuroses. Um garoto, morrer em trinta minutos! Não é possível... E depois? Solta as cordas, quebra a vidraça e pula do terceiro andar? Ele é o super-homem, por acaso?
- Sou um cara prevenido. Apenas isso.
- E eu, um homem faminto.
- Lembre-se. No fim, tudo valerá a pena.
- Então, vamos ou não?
- Pode ir na frente. Vou entrando aqui... (A porta faz uééénnn...)
- Porra.
- Te encontro lá...
- Anda logo. Te espero aqui fora.
- Certo. (A outra porta faz uééénnn...)
- ...
- Puta que pariu!...
- O que foi? Fugiu?
- O filho-da-puta...
- Não é possível!
- Tá dormindo que nem anjo...
- Você me mata caralho!
- Olha aí. O puto tá até sonhando.
- Me mata de susto porra!
- Tudo certo, graças a Deus.
- ...
- Melhor assim.
- ...
- Então. Vamos almoçar? (A porta faz uééénnn...)
- Ah, pode ir.
- Como assim?
- Perdi a fome.

Nenhum comentário:

Arquivo