Por Leozito Coelho
11 de agosto de 2006
O cidadão
De repente acordou assim: esfarelando tudo o que tocava. Pediu à esposa que o vestisse, pois já reduzira a pó camisas e calças de sua preferência. Ela também abriu as portas da casa, do prédio e do táxi, evitando que ele as desmanchasse com o simples toque. Ao ajeitar-se no veículo, porém, acabou por apoiar as mãos no estofado que, em milésimos, esfarelou-se, fazendo-o tombar ao nível da carcaça. Quando o sinal fechou, abriu logo a porta e correu em fuga, deixando sob o asfalto um montinho de pó branco e um motorista cheio de fúria. Enquanto percorria ruas e avenidas, buscava os porquês da sua desgraça. Talvez sonhasse, mas então como explicar a concretude dos toques? Sem poder enxugar as lágrimas, sem pistas sobre o próprio mistério e entregue ao poder que lhe fora concedido por alguma entidade ou força, ele pôs-se a deslizar os dedos em muros, edifícios, semáforos, estátuas, árvores, carros, ônibus e canteiros, como que respondendo a uma revolta do incompreensível. Encampou essa atividade durante todo o dia. No fim da tarde, correu até o ponto mais alto da cidade. O conglomerado de arranha-céus, até então cartão-postal da cidade, transformara-se em um amontoado de pó multicolorido. Viu também as pessoas caminhando sem destino, perdidas no meio do nada. Sentiu vergonha de todos, em especial da mulher, e por fim decidiu se entregar à razão, concluindo que sua tormenta, embora sobrenatural, ainda lhe apresentava uma saída cartesiana. Com o dedo indicador estendido, tocou-se no meio da testa e, tunf!, esfarelou-se para sempre.
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