Jô Didô, artista inovador. É o que dizem (e digo), mas não sei. Passo por crise desde que vi meu reflexo na poça. A barba grisalha, as olheiras, a magreza e as rugas confirmam o óbvio: a vida não tem abstração; ela nos enterra. Daí a importância da arte, que sobrevive a tudo. Inclusive a nós, artistas.
Desculpe a filosofia barata.
Chove. As gotas metralham o telhado do Cine Brasil. A melancolia impede qualquer impulso criativo. Tenho de resgatar o Jô Didô, criatura em furor, que existe em mim. Mas como? Talvez um pouco de auto-estima.
Releio reportagens sobre as minhas obras. Para os jornalistas, sou uma aberração social com razoável dom artístico. Coisa de brasileiro, que venera o “fodido que deu certo”. Mas, de fato, dei certo? Moro em um cinema abandonado no centro de Belô. Respiro fumaça, visto trapos, bebo e como de favor. Faço arte com o que me resta, o que não é muito.
Escrevo em um guardanapo: “Decreto luto oficial pelo fim de todo começo, o silêncio de cada voz”. Colo na entrada da Amazonas, sobre o portão enferrujado. Alguns lêem, balançam a cabeça pensativamente e prosseguem. É atitude globalizada: o ler para esquecer.
Anoitece e faz frio. Os morcegos sobrevoam as cadeiras empilhadas do Cine. Lá fora, as buzinas lutam entre si. No meu relógio, falta muito para meia-noite. Melhor dormir.
Acordo resfriado. Os espirros ecoam na sala e assustam os quirópteros. Pego a lata de tinta e vou ao Pirulito – aquela pica excitada varando o Centro. Desenho uma faixa preta em torno do monumento e assino embaixo com um mini-poema: Jô Didô diz quem sou / A superfície lisa de algo / O fruto da vida que passa / Na busca de um porém eternizado.
Agora tento dormir novamente. Ouço a sirene das viaturas. Em instantes, o Jota Damasceno, milico do Centro, irá me convidar a limpar o Pirulito. E eu o farei prontamente, para que ninguém corra o risco de ver minha arte.
Essa arte de uma vida. Vida com um dia a menos.
Por Leozito Coelho
28 de novembro de 2007
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Um comentário:
Tava com saudade! Foram vários dias vendo seu convite para adentrar aqui, mas tava tão cheia de coisa que recusei todos eles. Mas hj não! Hj me dei esse deleite, ou melhor, esse desfrute e aqui estou eu,desfrutanto de vc e de seus textos que tanto gosto.
Bjin
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