Meu nome é Didô, Jô Didô. Sou pintor e escultor, artista inovador. O céu é o limite e o centro é a morada, seja dia ou seja noite. Muito prazer.
Conheci um velho hoje. Ele é um daqueles viciados em cafeína e política que vivem matando tempo no Nice. Chama-se Arcanjo Solitude. Ele aproximou-se com vagar, quando eu repousava em um dos bancos da Praça Sete, e perguntou se eu era o Jodilson. “Não senhor”, respondi, “sou Jô Didô, pintor e escultor, artista inovador, muito prazer”. Ele sorriu e disse estar encantado. Encantado?
“Você pintou a Afonso Pena para um colega e desde então me tornei seu fã”. Dito isto, pediu-me um quadro do Pirulito, pois ia pendurá-lo na parede ‘virgem’ da sala de estar. Por fim, convidou-me para um cafezinho com um piscar de pálpebra.
Acabei aceitando para não ser deselegante. Sou pobre, mas educado, sabe como é. Eu já havia sacado o cara: encantado, fã, Pirulito, cafezinho, piscadela... Tratava-se de um senhorzinho pederasta, que se dizia amante da arte quando adorava somente o pincel. Eu conhecia o tipo. Um munheca.
Neguei o serviço, agradeci o café e fui saindo. Mas Arcanjo me agarrou e perguntou, “onde te encontro?”. Ele estava ofegante, apertava meu braço. Respondi: “O céu é o limite e o centro é a morada. Ou tira a mão, ou leva porrada.”
Quando me soltou, Solitude pingou uma lágrima na calçada imunda.
A cena causou-me um ‘estupefato artístico’, o que não significava piedade, mas estímulo criador. Estendi a tela no tablado do Cine Brasil vazio. Pintei sapatos desgastados, de modelos antigos, tocando as pedras da calçada. Suspensa nesta paisagem estava a gota, cuja superfície mostrava-se rugosa e repleta de pelancas.
Intitulei a obra de Pinga fogo. Amanhã estará à venda, em um dos bancos da Praça.
Por Leozito Coelho
21 de outubro de 2007
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Um comentário:
Gostar, gostei, como sempre, mas ri mesmo foi do verso malandro: "o céu é o limite, o centro é a morada, ou tira a mão ou leva porrada". Essas surpresas é que fazem teu estilo, "sobrinho".
Beijo na patroa.
Calbercan
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