Por Leozito Coelho

28 de dezembro de 2005

Virada

Compraram dez garrafas do champanhe mais barato. Decoraram o salão de festa com balões brancos e prateados amarrados às pilastras. Instalaram o aparelho de som e trouxeram os discos preparados para a virada. Havia de tudo um pouco: bossa nova, pop norte-americano, dance music, jovem guarda e, evidentemente, muito samba-enredo. Desceram com as latas de cerveja - ao todo 20 caixas de doze, os vinhos chilenos, os salgadinhos, os patês de salmão e atum, os pães fatiados e dispostos em cestas, a tábua de frutas, os refrigerantes normais, diet e light, os bomboms de licor, as tolhas de mesa e os copos plásticos. Enfim, arremessaram serpentinas em todas as direções, emprestando credibilidade carnavalesca ao local. Os primeiros convidados vêm no horário marcado. Eles conversam com os anfitriões no meio do salão, espalhando vozes pelo recinto vazio. Outros aparecem, minutos depois. O murmurar do bate-papo cresce em volume. A música é ambiente. A bebedeira engrena. De uma só vez chegam onze casais. Todos se cumprimentam e bebem e comem e falam e comemoram a saúde que tiveram neste ano e que, querem crer, terão no que virá. Alguns bêbados se abraçam, uma mulher cai do sofá, outra escorrega no chão molhado de cerveja. Tem também o que não vê a porta de vidro, esbofeteando-a com o nariz e as bochechas. Até que o par anfitrião corta a música e inicia a contagem regressiva. ...Dois, um, zero!... Estouram-se os champanhes. Uma rolha atinge a mulher que, há pouco, despencara do sofá. Todos gritam e se beijam e se roçam e se atracam em meio a desejos de feliz ano novo, de realizações, de saúde, de sucesso e, sobretudo, de dinheiro, de muito dinheiro. O carnaval estoura nas caixas, eles pulam e suam pelo salão, fazem círculos de dança e lagartas animadas de gente. A festa termina somente com a chegada do sol, quando o último casal vai embora. Os anfitriões sobem ao apartamento para dormir um pouco. Logo terão de acordar para dar um jeito naquela bagunça. No leito, já sob o lençol, ela lhe diz carinhosamente: Hoje já é ano novo, meu amor. O que ele responde de pé no meio do quarto, tirando a escova de dente de dentro da boca: E daí?

2 comentários:

Anônimo disse...

Reveillon - festa para comemorar e desejar supostas mudancas de vida e comportamento que nunca acontecem...

joão alguém disse...

ano novo é recomeço... da rotina

ou, como diria o casal, que anos não faz sexo, ao acordar no Reveillon entre champagnes vazias:

Nada resta
Nem a dor
Nem a dose
certa

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