Por Leozito Coelho
13 de agosto de 2005
A obra de arte
Murilo era negro, magro, sem dentes. Beirava os cinqüenta. Passava o dia na esquina de um cruzamento agitado. Saltava com as mãos nas têmporas, sai de mim cabeça de urubu!, sai de mim cabeça de urubu! Gritava sorrindo, a boca cheia de gengivas. Personagem folclórico, ganhou os jornais. Tentaram entrevistá-lo, mas a resposta era sempre a mesma: sai de mim cabeça de urubu! Um sociólogo escreveu sobre Murilinho Pula-Pula, retrato da decadência social, mistura animalizada de uma desigualdade incontestável. Davam sopa para Murilinho, roupa para Murilinho, tiravam fotos dele pulando, sai de mim cabeça de urubu! Montaram até uma exposição. Um vereador propôs abrigo para Murilinho. Aceito. A viatura estacionou, os policias colocaram Murilinho no banco traseiro, sai de mim cabeça de urubu! Depois o deixaram no lugar previsto, o aquário do Museu de Arte Moderna, equipado de cama, potes de comida, garrafas de água. A cerimônia contou com prefeito e vereadores, e figuras das colunas sociais. Na etiqueta do aqúario estava escrito: Arte Viva. Título: Saltos para o futuro. Original, 2005. Obra cedida pelo governo do Estado. Sai de mim cabeça de urubu!, podia-se ouvir das 10h às 18h, de segunda à sexta-feira, exceto feriados.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Sensacional!
Sua imaginação é surpreendente...
Sou sua fã.
Postar um comentário