Por Leozito Coelho

12 de agosto de 2004

Mais três continhos...

Uma observação, antes de mais nada: essa palavra, continho, não sei não... Não fica muito bem para um adorador do sexo feminino. Bom, resolvi tirar uns contos aqui do velho baú e colocar na roda. Três fragmentos, três histórias, três leituras. Divirta-se se puder!


Pós-modernidade
Osório (desc.: velho calvo descarnado de boina e dentadura) semicerra os olhos: enxerga melhor. Velocímetro marca cinqüenta. Noite avançada, poucos carros na rua, bom para dirigir. Pára no sinal. Cantarola Falando de amor, de Jobim. A débil audição, súbito, capta alarido crescente. À direita, nada. À esquerda, uma bunda branca arreganhada na janela. Garotos lhe rasgam palavrões, “filho-da-puta!”, impropérios, “uva-passa!”, “matusalém!”, um sinal obsceno (desc.: dedo médio em riste, mínimo, anular e indicador dobrados). Osório tem medo, encurva-se, tatu-bola, fusca dentro do fusca. Sinal verde. Borracha no asfalto, arrancada, algazarra. Trêmulo, o velhinho espia entre o volante. Opala longe. Ele cata o celular, ele morde o beiço, ele liga para a polícia.


Meta
Três pratos de macarronada. Mais doze latas de cerveja. Não coube e vomitei quase tudo. Quero engordar para não apanhar. Fosse parrudo, era outra história. Na mãozada já caía desfalecida. Anabolizantes não topo. Desejo, mesmo, criar gordura. Ficar do tamanho daquela vaca. Vou lhe mostrar o marido pé-de-bosta. Não sou assassino. Pretendo apenas devolver o que me fez. E eu chego lá, num corpo igual ao dela, que de tão nutrido nem boceta a gente encontra. Não perde por esperar.


Impressões de um noivo
Fiquei na dúvida se voltava ou não, voltei, toquei a campainha, percebi seu espanto ao me ver, perguntei o que era e ela disse nada, fiquei com aquilo na cabeça, entrei com ela atrás de mim, cheguei no quarto, peguei a carteira esquecida sobre o criado mudo, segurei o rosto dela, beijei sua boca, sussurrei eu te amo, despedi de novo, desci as escadas, aguardei no carro, adormeci, acordei de manhã, fui pra casa, troquei de roupa, abri o jornal e liguei pra um detetive particular.

Nenhum comentário:

Arquivo