tag:blogger.com,1999:blog-77053602024-03-05T16:19:55.087-03:00CURTO-CIRCUITOPor Leozito CoelhoUnknownnoreply@blogger.comBlogger259125tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-66002209954643247702010-05-31T20:07:00.003-03:002010-05-31T20:13:36.580-03:00A GATA<meta content="text/html; charset=utf-8" http-equiv="Content-Type"></meta><meta content="Word.Document" name="ProgId"></meta><meta content="Microsoft Word 12" name="Generator"></meta><meta content="Microsoft Word 12" name="Originator"></meta><link href="file:///C:%5CUsers%5CLuana%5CAppData%5CLocal%5CTemp%5Cmsohtmlclip1%5C01%5Cclip_filelist.xml" rel="File-List"></link><link href="file:///C:%5CUsers%5CLuana%5CAppData%5CLocal%5CTemp%5Cmsohtmlclip1%5C01%5Cclip_themedata.thmx" rel="themeData"></link><link href="file:///C:%5CUsers%5CLuana%5CAppData%5CLocal%5CTemp%5Cmsohtmlclip1%5C01%5Cclip_colorschememapping.xml" rel="colorSchemeMapping"></link><style>
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Chamava-se Margarete. O apelido, Margô. <br />
<br />
Seu Olavo descia às nove, o bicho no pescoço. O elevador parava no décimo, eu abria a porta e lá estavam os dois, satisfeitos, indo tomar sol no playground. <br />
<br />
“Se não levo, ela se revolta e derruba todos os porta-retratos.” <br />
<br />
Eram retratos com a falecida. Seu Olavo catava um a um, recompunha as molduras, encaixava as fotos nas placas de vidro. Aproveitava para lembrar os momentos vividos com a esposa. <br />
<br />
Eu beijava a Renata, tchau mô, catava a pasta, trancava a porta às nove. No elevador, o velho e a gata. Eu dizia bom dia, Seu Olavo retribuía bom dia. O bicho soltava um miado fino e curto, devia ser bom dia. No trajeto até o play, a gata observava nosso papo e me fuzilava olhares azuis. A pelagem marrom lhe dava um aspecto selvagem. <br />
<br />
“Tenha um bom trabalho, e não deixe que te enlouqueçam.” <br />
<br />
Seu Olavo, bom sujeito. <br />
<br />
Não recordo a época em que sumiram. Eu saía no horário, mas nada. Elevador vazio. Tentei pouco mais cedo, pouco mais tarde. Nenhum sinal do velho. Segundo o porteiro, normal. Gente idosa se enfurna no sofá de tempos em tempos para despistar a rotina. Estranho. A gata precisava do sol. <br />
<br />
Um dia beijei Renata, tchau mô, meti a pasta no sovaco, passei a chave. E lá estava, a gata no elevador. Perambulava sozinha pelo assoalho. Às vezes se voltava para mim, como se esperasse uma decisão – você vem ou vai ficar me olhando feito trouxa? Entrei, bom dia. Sim, eu disse bom dia. A gata retrucou o breve miado. E eu, não satisfeito: <br />
<br />
“Cadê o Seu Olavo?” <br />
<br />
Estúpido, estúpido. <br />
<br />
No playground, a gata se arrastou até a mureta. Ficou se lambendo sob o sol. Acionei o porteiro, fui trabalhar. Os putos iam me enlouquecer. <br />
<br />
Na manhã seguinte, o relato: <br />
<br />
Seu Olavo escorregou no banheiro e lá ficou. O bicho, preso no apê com o morto, liquidou os porta-retratos e fez das fotos picadinho. Ninguém explicou como a gata fugiu e tomou o elevador (precisava do sol). Fui o último a vê-la, havia sumido. Sinal da cruz. <br />
<br />
Renata não viu mistério. Gato é safo, se bobear girou a tetra chave. Dei um beijo nela, tchau mô, a pasta, a fechadura, o elevador vazio. Bendito seja. <br />
<br />
Mas não é tudo. <br />
<br />
Missa de sétimo dia do Seu Olavo. Fora da igreja, um gato cor marrom, olhos azuis, desfilava no muro. Miava suave, um boa noite? Tive a sensação de que me reconhecera. Falei com mô, ela disse não seja ridículo, e se apresse que hoje é o último capítulo da novela. <br />
<br />
O que é uma novela perto disso? <br />
<br />
Numa novela, a gata não estaria no elevador na manhã seguinte. Não teria nos dentes um picote de foto, no qual se percebia o rosto de Seu Olavo. Não exibiria em close a expressão de terror do vizinho do décimo, indeciso entre chamar Renata, “quem é ridículo agora?”, e pegar o elevador para enlouquecer no trabalho. Não mostraria a gata descendo sozinha, escapando quando alguém abrisse a porta. E não teria a cena final, o banho de sol com Seu Olavo – ou com um pedaço da foto dele. <br />
<br />
Margô, um belo título de novela. Era o apelido da gata. Homenagem do velho à falecida Margarete.<br />
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;"></span><br />
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;"><o:p> </o:p></span> <br />
<span style="font-family: "Garamond","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;"><o:p><br />
</o:p></span> Unknownnoreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-40532216552255087412010-04-24T00:31:00.007-03:002010-05-14T22:23:23.257-03:00Fim?<span style="font-size: large;">1.</span><br />
<span style="font-size: large;">Dúvida se escrevo ou envio o bilhete. Por e-mail é inovador. Se bem que, analisando friamente, deve existir caso parecido. Até mais criativo. Vanguarda não é comigo. Nunca foi. Melhor deixar por escrito mesmo. O problema é a letra. Médico tem letra feia. Um orgulho da classe. Meu receio é de que não entendam os garranchos. E se der margem a questionamentos? A psicografia é uma hipótese, mas não convém arriscar. Se ao menos tivesse uma impressora. No hospital tem.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">2.</span><br />
<span style="font-size: large;">Na colorida ou na preto e branco? Que dúvida. Passei a noite digitando o bilhete no editor de texto. Agora não consigo decidir entre a jato de tinta e a laser. A primeira empresta uma aparência mais limpa e precisa aos caracteres; a segunda, pobre e borrada. Gostaria de um visual mais <i>clean</i> neste testamento de despedida. Portanto, a colorida. O problema é que ela demora mais a imprimir. </span><span style="font-size: large;">E fica em outro andar.</span><span style="font-size: large;"> Um colega pode aparecer, bisbilhotar o documento. É muito perigoso. Ainda mais com um título desses em fonte 36, negrito: "Carta de um médico suicida". Porra.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">3.</span><br />
<span style="font-size: large;">Escrevi tudo a mão. Foda-se.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">4.</span><br />
<span style="font-size: large;">Ligo pra mãe antes do fim? Vontade de ouvir a voz dela. Daquela coroa abastada filha de uma égua. Oi, sou eu, tudo bem?, só pra avisar, tô pulando do apartamento, aquele mesmo que aluguei após você me tocar de casa, da casa que era de nossa família, só pra você poder ficar dando o rabo com mais tranquilidade para esse substituto do pai. Era isso, mãe. Adeus. Ligo ou não? Dependendo da conversa, acabo com vontade de matar em vez de <i>me</i> matar. Filho, você já é grandinho para esse tipo de brincadeira, agora me deixa cuidar da casa, sim? Ah mãe, você esculacha.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">5.</span><br />
<span style="font-size: large;">Liguei pra pizzaria. Quatro queijos gigante, por favor. O colesterol que se exploda. A essa altura...</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">6.</span><br />
<span style="font-size: large;">Pulo ou me jogo na frente de um ônibus? No salto há o frescor do voo, embora ínfimo. Mas vai que, por um azar, eu sobreviva à queda? Sétimo andar não é tanta coisa. Daí passo o resto da vida entrevado na cama. Com uma enfermeira limpando meu cu três vezes ao dia. Pondo talquinho. A alternativa é o ônibus. Mergulho de cabeça entre as rodas, quando o veículo estiver zunindo pela avenida. E ainda me vingo da linha que já me fez esperar tanto por suas lotações. O problema: rosto desfigurado, caixão fechado. Por que tudo é tão difícil?</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">7.</span><br />
<span style="font-size: large;">Comprei um vidrinho de cianureto. Parto desta como o Goebbels e a filharada nazista dele. Quanta honra.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">8.</span><br />
<span style="font-size: large;">Bebo a solução deitado, certo. Mas de pijama ou totalmente nu? Visto o terno de uma vez? Vejamos. O pijama está com um rasgo debaixo do sovaco. Um rombo. E nem cogito comprar um novo, por preguiça de me relacionar com vendedores de loja comissionados. Que se fodam. Nu também não dá. Imagine, todos percebendo a pequenez do meu pau, depois comentando no velório, os primos rindo furtivamente pelos cantos. Merda. Sobra o terno. Tenho que mandar lavar aquela porra. Faz tempo que não uso.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">9.</span><br />
<span style="font-size: large;">É hoje.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">10.</span><br />
<span style="font-size: large;">Antes ou depois da partida? Nem me toquei. Hoje à noite, meu time enfrenta o Vasco na final da copa. Daí a dúvida. Acompanho o jogo e... comemoro?! Ou me antecipo a uma possível frustração, dando termo à vida antes do apito do juiz? Vejo o jogo e me mato pra esquecer do resultado? Adio pra amanhã? Amanhã só tem novela e filme dublado. Dá até mais vontade de acabar com tudo.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">11. </span><br />
<span style="font-size: large;">No afã da comemoração, esbarrei na mesinha de centro. O vidrinho rolou e se espatifou no chão. Pensei em lamber o líquido, feito um cão sedento. Mas não o fiz. Saí de casa, fui tomar uma cerveja no boteco. Para celebrar a vitória.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">12.</span><br />
<span style="font-size: large;">Fim?</span><br />
<br />
<br />
<span style="font-size: large;">___________ </span><br />
<span style="font-size: large;"><br />
</span>Unknownnoreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-40321923180783919192010-04-07T22:37:00.002-03:002010-04-07T23:06:21.273-03:00Reality ShowA potranca está malhando na sala de ginástica do prédio. O prédio tem oito câmeras instaladas em locais estratégicos. As imagens vêm para o monitor da guarita. Eu trabalho na guarita. O Zé está aqui comigo. Ele é o faz-tudo do condomínio. No edifício moram aposentados e recém-casados. A potranca é a única solteira. Chegou faz três semanas. Chama-se Jussara. A gente gosta de ver a Jussara pelo monitor. Ela exercita os glúteos com pesos nos tornozelos. Zé silencia quando ela fica de quatro no colchonete. Jussara joga os pés para o alto. Uma perna, depois a outra. Zé bufa, limpa o suor da testa. Senta aí Zé, sossega um pouco, pensa na igreja. Ele diz que bunda assim não tem na igreja. Zé é sozinho, sem família nem mulher. Só tem a igreja. Eu semeei a igreja na vida dele. Lucimara minha esposa fez o mesmo comigo.<br />
<br />
Mas Zé não está mais entre nós.<br />
Porque ele, Zé, nunca mais foi visto:<br />
<br />
Manhã chuvosa. Zé sobe para consertar o chuveiro do apê de Jussara. O reparo dura mais de uma hora. Jussara interfona no dia seguinte, bem cedo. Necessita de outro serviço. Um trabalho para o negão faz-tudo. O negão volta à casa da potranca, agora para desentupir o tanque. Ele passa duas horas lá. Zé muda daí em diante. Não vem mais conferir a chapa quente da Jussara pelo monitor. Some da igreja, corta relações com o Senhor. Foge de mim quando pergunto o que se passa. Foge como se eu fosse um ninguém. O ninguém que lhe deu alternativa na vida.<br />
<br />
Zé, pobre Zé.<br />
Porque Zé, subitamente acanhado, nunca mais foi visto:<br />
<br />
Zé continua subindo ao apê da potranca. Zé troca as lâmpadas, fura paredes, instala cortinas. Em uma tarde de sol, Jussara aparece na guarita. Preciso do Zé, um lustre está quase caindo do teto, viu ele por aí? Zé surge na portaria, fardado de negão faz-tudo. Os dois tomam o elevador de serviço. Eles se pegam assim que a porta fecha. Jussara afunda o braço no macacão do Zé. O Zé desce o short da Jussara. Jussara escancara as coxas. Do meio delas surge algo. Eu me aproximo do monitor. Quase encosto o nariz na tela para ver melhor aquilo. Só então me certifico, trata-se de um pênis. Mais um no cubículo. Zé segura o dela e ela segura o dele. Os dois saltam do elevador. <br />
<br />
Larga a mão do Senhor para se segurar naquilo? Ah Zé.<br />
Porque Zé, já desabrochando, nunca mais foi visto:<br />
<br />
Na mesma hora aviso o síndico do troca-troca no elevador. O síndico aciona a empresa que administra o edifício. O Zé é demitido por justa causa. Jussara se desculpa, mas é tarde. O proprietário requer o apê. Não admito que um espaço que já foi o meu lar seja ocupado por um, por uma, por esse negócio aí que vocês estão falando. Jussara se muda semanas depois.<br />
<br />
Nunca mais vi o Zé. Nem a Jussara. <br />
<br />
Tem sido difícil apagar a imagem da cabeça. O Zé afofando a vareta do Luís Eugênio no elevador. Luís Eugênio é o portador da bunda que a gente tanto admirava pelo monitor. Bunda que não tem na igreja. Aqui na igreja tem muita bunda como a da Lucimara. Coisa de elefoa esperando elefantinho. Mas ela não está nem aí, sacoleja o corpanzil assim mesmo. Lucimara salta, canta e louva ao Senhor com os braços erguidos. O Senhor que tudo sente, tudo sabe, tudo vê – ela repete com fúria. Ninguém escapa aos olhos dele. <br />
<br />
Ninguém.<br />
<br />
<br />
______________Unknownnoreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-52233100917907929192009-09-08T22:23:00.017-03:002009-09-17T23:00:01.236-03:00Barrinha de cerealA vida é muito irônica. Isso aqui é uma puta gozação. Quem inventou é gênio, um fora de série. Pensa bem. Certo dia acordo obcecado em comprar um televisor pra mãe. Ela fez tudo por mim. Na verdade ela fez tudo pelos outros para depois fazer tudo por mim. A mãe encerou muito assoalho de rico, passou muita cueca, lustrou muita prataria, aspirou muito carpete de doninha, ela fez isso tudo pensando em mim, no meu futuro, em um futuro menos óbvio e mais digno. Mas eu nunca dei o devido valor a essa retidão materna. Só fui me ligar naquele dia, quando levantei cheio de remorso.<br /><br />Eu fui ao supermercado e parcelei o eletrodoméstico. A tevê não era dessas mais modernas, ela tinha jeitão de aparelho mesmo, rombuda, bem ao gosto da mãe. Tanto que a mãe ficou emocionada ao ver a belezura irradiando luz barraco afora. Não precisava, ela disse soluçando, mas precisava sim, na verdade eu precisava mais do que ela. Ah, saudade da mãe.<br /><br />Uma ironia danada. Eu vou lá, financio a tevê, preencho os cupons do sorteio, aí me aparece a morena, essa deusa com voz de atriz. Quer estar concorrendo a um ano de academia grátis, senhor?, então basta estar preenchendo este formulário, comprando esta caixa de barras de cereal e, neste espaço, basta estar respondendo por que o senhor deseja se tornar um atleta Fitness For Fun 2009. Eu caí na prosa da moça. Fico sempre meio besta diante de mulher boazuda. As barrinhas eram detestáveis, sabor de banana. Banana é fruto de pobre. Pobre quando amadurece não aguenta mais ver banana. Deve ser psicológico, eu sei lá.<br /><br />Repara, nem comento. Vou ao supermercado, pago a tevê pra me livrar do remorso, deposito o cupom, o cupom sai, o carro é meu. E mais: vou indo embora, o caixote nas costas, paro no estande da num-sei-quê-fitness, me dá essa caixa de barrinha, deixa eu ver este formulário, deixa eu pensar em algo, uma frase inteligente, e aí pimba, me ligam, o senhor é fulano?, pois o senhor acaba de ganhar um ano grátis em nossa academia piriri porôrô...<br /><br />Chego de carro, no meu carro. A academia está cheia de classe média. As mulheres estão enfiadas em roupas justas, quando elas se curvam eu consigo imaginá-las com bastante precisão. Um mundo de morangos e amoras, sem dúvida, um mundo onde banana não entra, quer dizer, entrar até entra, mas não a minha. Os rapazes são fortes, falam alto, usam camisetas e fazem careta quando puxam o ferro. Um deles me observa, analisa os meus trajes. Eu estou de calção azul, blusa de concessionária, tênis raso sem meias e boné da num-sei-quê-fitness. Ele segue me encarando, eu já cogitando uma boiolagem, eu sei lá, hoje em dia misturou tudo, e de repente o pulha bate a mãos, faz cara de descoberta, aponta o dedo grosso e berra: ora se não é o filho da diarista!<br /><br />Diarista é moderno. Empregada fica feio na boca de classe média. Ainda mais em público.<br /><br />Pensa: a mãe se rala toda pra me dar um futuro, trabalhando com gente da laia desse escroto da academia, cozinhando feijão pra ele, limpando a privada dele, varrendo o chão que ele pisa. Mas eu, imbecil, não me toco. Sigo com a vidinha de vagabundo. Um bico aqui e outro ali. Até que um belo dia acordo sentido, vou lá, compro a tevê, preencho o cupom, penso na frase, engulo a barrinha, ganho o carro, a anuidade, e quando me dou ao luxo de usufruir da graça recebida, pronto, sou logo arremessado ao posto de costume, o filho da empregada, o pobre, o roto, o mal vestido, sempre ouvindo risinhos ao fundo.<br /><br />O que faz aqui, meu jovem? Vontade de descer-lhe o punho, mas o cara é um cavalo, dá dois de mim com sobra. Eu vim ganhar físico, respondo todo valente, mas ele ri, você quer dizer malhar, certo?, é isso mesmo, eu vim malhar, essa é a palavra classe média correta, imbecil, imbecil, imbecil...<br /><br />Estou ficando depressivo, relembrando tudo. Vou ser breve.<br /><br />Bolo um plano: ficar forte pra arrebentar o cabra todo. Mas o sujeito só aumenta, a pele cada vez mais esticada, os músculos querendo sair pra fora. O que fazer? Não sei, não sei. Mas um dia, tem sempre um dia na minha vida, ele vem com essa: pega o de trinta pra mim, fióte? O cara pede sem por favor, mas eu vou assim mesmo, obrigado. Mal carrego o altere de trinta quilos, tenho de utilizar as duas mãos. O paçoca está ali, deitadão, puxando a barra. As veias saltando do pescoço. Foi instinto, gente. Eu juro. Soltei o altere na goela dele. Lembro do som, o som de alguém pisando em um biscoito de água e sal. Quase sou linchado. A turma do deixa disso me deixa vivo e me entrega à polícia. A mãe faz visita dias depois. Diz chorando que viu a cena pela tevê, a tevê rombuda do supermercado, a tevê pra aplacar remorso.<br /><br />A vida é muito irônica. Quando a gente acha que está ganhando, nem faz ideia de que já começou a perder, a perder pra valer.<br /><br />A mãe vem hoje. Pedi a ela que não trouxesse bolo de banana. Eu tomei ódio de banana. Na verdade tomei ódio de tudo. Tomei ódio até desse remorso que não passa. Porra.<br /><br /><br />____________________Unknownnoreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-67113975320049497562009-07-25T00:15:00.017-03:002009-07-28T22:38:23.803-03:00Salva de palmasSabe aquela nesga de imagem na esquina do olho? No meu caso: apanho o controle remoto, desligo a tevê, desgrudo da poltrona, caminho até o interruptor da sala, apago a luz e é neste ponto, exatamente neste ponto em que a claridade se esvai e o negror assoma, no instante em que torço o corpo em direção ao quarto, ao quarto de dormir com Matilde, pois é neste momento, senhoras e senhores, que irrompe a nesga, o flagra lateral, o flash pipocando no canto da vista como uma tela indesejada da internet, e instintivamente eu me retorço em direção à cena e verifico o todo, o conjunto que captara minha atenção: uma luz derrama-se pela fresta inferior da porta de entrada. Luz do prédio, do corredor do prédio. A luz que o sensor aciona. O sensor de presença. Uma presença às duas da manhã.<br /><br />Hesitei um segundo: dormir ou checar? Então eu fui. Fui no meio do escuro. O tato e a memória ajudando-me a desviar das superfícies da sala. Fui mesmo, fui checar quem estava ali, com sua presença a excitar o sensor, a evocar a luz. Mirei o olho mágico, pronto: havia um sujeito do lado de fora. Um cara! Havia ali, senhoras e senhores, respeitável público, um homem de franja e sobretudo preto, uma figura sombria que me encarava através da lente. O coração palpitava, nem batia de tão acelerado, era medo, confesso, no fundo era medo daquela criatura estática à porta, algo sinistra, mas eu ainda não estava vencido nem esquartejado ou estripado, e me esforcei para, entredentes, sussurrar a pergunta:<br /><br />"Quem está aí?"<br /><br />"Quem está aí?", o homem repetiu.<br /><br />"Fiz uma pergunta", insisti.<br /><br />"Fiz uma pergunta", o homem novamente.<br /><br />"Suma daqui ou chamo a polícia."<br /><br />"Suma daqui ou chamo a polícia."<br /><br />"Tá de sacanagem, irmão?", eu indignado.<br /><br />"Tá de sacanagem, irmão?"<br /><br />"Abro a porta e arrebento essa sua cara!", já muito macho.<br /><br />"Abro a porta e arrebento essa sua cara!"<br /><br />A verdade é que não abriria a porta nunca, jamais, pois eu me conheço, sempre tive queda pela covardia, é coisa do sangue, da genética, da linhagem, enfim, uma herança que corre pela família, de frouxo em frouxo, chega a ser um orgulho, mas eu ia fazer o quê?, fazer o quê nessa situação?, atirar-me contra o maníaco?, observem com atenção, senhoras e senhores, estou convicto disso, o homem do lado de fora possuía um semblante homicida, e eu me cago todo com gente assim, gente cruel e má, e por isso não me arriscaria, nunca nunca nunca, mas ia fazer o quê?, eu ia fazer o quê diante daquilo?, ora, estava evidente o que eu ia fazer, eu ia chamar a Matilde com certa urgência.<br /><br />No caminho até o quarto de domir com Matilde, fui acendendo todas as luzes para dissipar um pouco do pavor.<br /><br />"Matilde, acorda", eu gritava e chacoalhava os ombros dela, "acorda que tem um louco na porta, um cara esquisito, de franjola, estranho pra burro, pelo amor de Deus, eu tô que me tremo todo, tremendo até na sola, anda logo, levanta Matilde, se o cara arromba, aí é o terror aqui dentro, ei Matilde, você está me escutando ô porra?"<br /><br />Ela demorou um pouco, mas acordou. Eu suava pelos cotovelos.<br /><br />A Matilde, senhoras e senhores, é uma mulher paciente, que me escuta mesmo quando não lhe interesso, é uma virtude dela, e eu a considero bastante, então a Matilde ouviu meu relato esbaforido, confuso, trêmulo, o relato de um borra-cuecas, sejamos francos, e ela se pôs de pé, calçou as pantufas, arrastou-se aos bocejos até a porta, curvou-se e mirou a lente. Com muita naturalidade, ela é uma mulher notável, somente as mulheres notáveis primam pela leveza e a soberania do espírito, e como ia dizendo, com naturalidade ela ergueu a cabeça, virou-se para mim e disse: mas é você do outro lado, querido. Eu fiquei mudo, com expressão de candelabro, totalmente absorto e imóvel com a revelação. Matilde voltou ao olho mágico e perguntou:<br /><br />"Quem está aí?"<br /><br />"Sou eu, amor", a voz era parecida.<br /><br />"Voltou cedo", disse Matilde.<br /><br />"O trânsito estava melhor hoje", a voz era minha.<br /><br />"Vou abrir pra você", ela girando a chave.<br /><br />Ouvintes, plateia do balcão, senhoras e senhores, respeitável público, o que descrevo a partir de agora sãs as cenas finais desse episódio, um relato sucinto do que ocorre após Matilde abrir a porta para o homem de franja e sobretudo, um testemunho de quem observa dali, a poucos metros, em meio a seu espanto imobilizador, o desenrolar da história.<br /><br />Eis os acontecimentos: eu entro, é isso mesmo, não há mais dúvida, o homem sou eu, e portanto eu entro na sala de estar, apanho o controle remoto, ligo a tevê, ajeito-me na poltrona, estico o braço, apago a luz do abajur e é neste ponto, precisamente neste ponto em que retorno ao sofá, de volta à posição de conforto, pois é neste momento, senhoras e senhores, que irrompe a nesga, o flagra, o flash na quina do olho, e instintivamente eu me viro para a cena e verifico o todo, o conjunto que captara minha atenção: uma desconhecida está em um canto da sala, curvada, com pantufas de sapo nos pés, espiando o olho mágico como se procurasse alguém que nunca existiu.<br /><br />Uma salva de palmas!<br /><br />____________________Unknownnoreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-59558866700388046232009-07-14T00:17:00.017-03:002009-07-17T01:31:32.363-03:00Entrevistando Partícipe JonesDifícil, talvez impossível. Partícipe Jones não se resume: explica-se. Um tempo curto demais. Demais pra mim. Mas eu tento, é aquela coisa do brasileiro, do babaca que não desiste nunca. Aliás, uma questão lógica: se ele não desiste é porque está sempre na merda. Na merda como eu, Partícipe Jones. Um solitário, mas feliz.<br /><br /><br />Dez minutos. Vamos lá. Não arrego.<br /><br /><br />Moro em um apê mínimo. Somente eu. Não há outro ser vivo naquele cubo. Ah, minto. Tem os lactobacilos. Pelo rótulo estão vivos. Mas na boa, duvido. Eu truco. Eu truco seis! Pra mim, quer saber? Pra mim eles já vêm mortos de fábrica. Pronto, é isso. Alguém por acaso já viu um nadando? Tô nem tchum. Nem tchum se esse bicho nada, flutua ou voa. Se é mesmo um bicho. Que porra é um lactobacilo? Ah, sinceridade. De modo que não é mentira. Sou apenas eu ali. Jones. Partícipe Jones. Espremido entre metros quadrados. Aquela coisa bem de pobre. Subsistência mesmo. Cozinho agachado, durmo na gaveta, bebo de canudo, leio estirado, estirado igual defunto, igualzinho ao lactobacilo, lá vem essa história, mas retomando, eu prego o livro no teto, com cola instantânea, aí dá leitura, sem problema.<br /><br /><br />Quanto tempo resta? Não me roube, doutora...<br /><br /><br />Mas eu me viro bem. Mesmo só. E ninguém está sozinho. Ah, minto. Na verdade estamos todos sós mas juntos, percebe? Olha, chama o Freud. Ele explica pra senhora. Psicografa. Manda um correio elegante. Sei lá. Nem sei mais o que disse. Ah sim. Eu me viro. E bem. Vou pinçando um prazer aqui outro ali. Sabe como é. Os vasos de parede, em banheiro de cervejaria. São cheios de gelo e limão. Adoro mijar naquilo. Não preciso de amigo. Ou de esposa. De ninguém. Troco tudo por umas três mijadas ali. Só pra ver o jato fervente estraçalhando os cubos. Ah, outra. Banho de lua. Eu me jogo na grama da praça e fico ali. Apenas de sunga. De paquera com a lua. Outro dia um mendigo me disse, tu vai ficar cinza. Quem sabe. A cidade já é cinza, num é? Nada de mais.<br /><br /><br />Certo. Três minutinhos. Preciosidade, né? O tempo.<br /><br /><br />Então. Mulher não tenho. Nem homem. Mas gosto de buraco. Não o jogo, dona. Digo buraco... buraco. Buraco pra socar a vara. Pronto. Desculpe mas é isso. Não sou de conversa ou conquista, beleza ou status, forma ou consistência, sou de buraco, ali eu me divirto. Ah serve. Se tiver buraco serve. Pra mim basta. Pode ser furo, fenda, racha, você decide. Se couber, tô dentro. Senhora, deixa eu te dizer. Amor é literatura. A realidade é o buraco. Jones. Partícipe Jones. Ponto final.<br /><br /><br />Minhas considerações. Certo.<br /><br /><br />Falo uma língua. A local. Para o futuro, morrer tarde. E só. Sim, tenho pós. Pó de guaraná, leite em pó, pó de café. Pós, ora. Ah, sou formado em porra nenhuma. O que faço da vida? Porra nenhuma. Estuda o quê? Porra nenhuma. E trabalha? Porra nenhuma. Qualquer dia invento essa faculdade. Capaz de ficar rico. Já imagino o anúncio: "Venha estudar porra nenhuma com a gente. Increva-se já! Vagas abertas." E, por fim, caráter. Nem bom nem mau. Nem sei se tenho. Onde se compra? Talvez alugue um com pedigree, quando a senhora me contratar. Quando contratar Jones, Partícipe Jones. Sou perfeito pra vaga. Nasci pra ela. Eu me encaixo nela como a um pau no buraco, de novo o buraco. Sempre o buraco. E é por isso que estou aqui.<br /><br />Agradeço a oportunidade, senhora. Gentileza enviar a resposta por correio. Talvez eu ainda esteja lá quando a carta chegar. Só não garanto. Espero que dê sorte.<br /><br />Muito prazer em conhecer.<br /><br />____________________Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-19834391240550056392009-07-11T01:02:00.004-03:002009-07-11T01:23:37.707-03:00Perdido da SilvaUm dia escrevo, ah escrevo! Anota aí: aproxima-se a hora em que deixarei o recado sob o ímã. O ímã da geladeira. Faço questão de que seja o ímã do serviço de telepizza, em que o motoboy equilibra a redonda na palma da mão, montado em sua moto, uma moto que não é moto, mas o número do telefone da pizzaria, desculpe, sou de divagação, devagar ação, sei lá, eu ia dizendo da opção do ímã, então, eu escolheria o ímã por causa dela, para que se entupisse de ódio ao notar o bilhete, para que gritasse um ‘já vai tarde fédaputa!’ ao ler o conteúdo sob o íma, um íma que vai além do objeto, veja bem, um íma que, no fundo, ironiza suas ofensas contra mim, contra o meu hábito pouco salutar, segundo ela, o meu hábito de comer pizza toda noite.<br /><br />Que fique claro, o salário dela é maior que o meu. Todo mundo sabe disso e por ‘todo mundo’ me refiro a pais, parentes, amigos, amigos distantes, amigos mortos, inimigos, vizinhos, porteiros, pessoal do escritório, taxistas, caixas da padaria e vou parando aqui, pois ela é assim, afeita ao ego, afeita ao prazer de atolar meu nariz no barro com seu salto-agulha. Ela é diretora, tem equipe própria, comanda uns trinta funcionários, uns pobres-coitados tolhidos por essa governanta de cabaré. Agora eu, euzinho, eu tenho apenas essa estagiária, presta atenção naquilo, uma fedelha que não me ouve e nem me obedece, fica ali no planetinha dela o dia inteiro, metida no ipod, trajada igual uma putinha novaiorquina, ruminando o piercing na língua, fingindo que trabalha. Ah desculpe, sei que me alongo, mas em resumo, ela é um destaque e eu um desmoralizado, um cagado da vida. É duro dizer isso assim, preto no branco, mas é a verdade. Não me venha com essa de ‘a verdade dói’, pois eu discordo, a verdade não dói porra nenhuma, a verdade é a diarréia que te liberta, o que dói mesmo é a feiúra, entende?, a feiúra dói na alma, e aí é foda.<br /><br />Já estou concluindo, fióte.<br /><br />O que me resta nessa confusão toda é vencê-la, e assim ordeno uma pizza a cada dia, é portuguesa na segunda, margerita na terça, calabresa na quarta, quatro queijos na quinta e dependendo do humor desço uma lasanha ao sugo para o desfecho da semana. E é neste estágio de entupimento, precisamente, quando ocorre o evento mais esperado da jornada, ela gira a chave, chega estropiada de cansaço e se depara com a cena, imagine se puder, a cena do marido se entalando de comer no sofá, lambendo os dedos enquanto assiste ao futebol, o queixo brilhoso, eu mesmo em carne e osso e pizza, e isso meu amigo, isso basta para que ela enlouqueça e abandone o pedestal da chefona, da poderosa chefona, igualando-se de imediato ao meu nível, um nível baixo, e xingando a mim e às pizzas, é parasita, é peidorreiro, é zoado, é seboso, é fodido de mãe e pai, é estrupício, é palavrão que não termina e mais e mais. Finjo que não é comigo, sabe como é?, mantenho os olhos na tela e a boca na gordura, pois é onde queria chegar, onde reside o meu prazer, o prazer de vê-la se esgoelar e se debater feito uma lagartixa do rabo talhado, toda lacrimosa da burrice que cometeu ao se juntar comigo, resignada com o futuro lastimável que eu lhe proporciono a cada dia, e do qual, veja bem, ela não tem coragem de se livrar. Mulher é um bicho estranho, rapaz.<br /><br />Não sou um cara mau, posso até parecer, mas não sou. Se fosse mau, ruim mesmo, nem pensaria no recado sob o ímã. Mas eu vou libertá-la, meu caro, vou trazer a verdade à tona, é chegado o momento. O homem evadiu-se, eis tua alforria criatura! Algo assim. Vai ser melhor pra nós dois. Anota aí. A gente acostuma com o martírio, coisa de mártir, eu não nasci pra isso, nem ela, talvez só por um tempo, mas já chega. Era isso. Isso tudo. E agora vamos trabalhar, anda, fazer algo de útil nessa vida, aproveita e chuta aquela retardada, olha lá, está quase dormindo, aposto que ouve música de ioga no ipod, deve tomar banho com esse troço na orelha, nunca vi, o mundo está perdido, perdido da Silva, é ou não é?<br /><br />__________________Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-11559776666061851752009-03-24T21:08:00.006-03:002009-03-24T21:43:14.032-03:00Amor exclusivoBate!, quero vê se é ôme!, me espalha as gurdura, me colore de porrada, anda!, anda que eu ponho fé, credito nocê, na sua macheza, mas vâmo!, porradeia logo, na boca, vai!, arreganha as gingiva!, abre a sangüera!, aí eu credito, sintonizo na sua, hein fio!, senta os dedo!, bofeteia a nêga!, mas quê isso!?, ê frouxura, porra é essa!?, tô pedindo na boa, num chora, ah num chora... óia aqui, escuta, miando assim cê me rebenta as artéria, escuta, óia pra mim, cê sabe que gosto duns tapa, duns murro, duns puxão no cabelo, não sabe?, essas coisa meio selvagem, umas estupidez, umas brutalidade, eu gosto disso, mas ocê num é desse jeito, tô de acordo, e num peço mais, nunca mais, faço até o siguinte, prestenção: peço pra outro, resolvido, um outro qualquer vem e me estremece os ósso, me porradeia os músculo, depois vai embora, pronto, e ocê fica com a méio parte, fióte, ocê fica exclusivo só pra amar.Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-54933963911321985482009-03-21T10:28:00.005-03:002009-03-21T11:21:44.006-03:00Microcontos: Play List<strong>[1]</strong><br />Na pressa, esqueceu-se.<br /><br /><strong>[2]</strong><br />Fez lipo.<br />Pôs silicone.<br />Esticou rugas.<br />Aplicou botox.<br />Bronzeou-se artificialmente.<br />Nunca mais foi vista.<br /><br /><strong>[3]</strong><br />Uma rosa por teu botão.<br /><br /><strong>[4]</strong><br />O animal passeava com seu cão.<br /><br /><strong>[5]</strong><br />Aposentado,<br />homem-aranha tricota.<br /><br /><strong>[6]</strong><br />Bebi todas ontem,<br />gabava-se Drácula.<br /><br /><strong>[7]</strong><br />Fora a vida pública,<br />sobra-lhe a privada.<br /><br /><strong>[8]</strong><br />Blindou o carro.<br />Pôs cerca elétrica.<br />Comprou helicóptero.<br />Contratou guarda-costa.<br />Mudou de condomínio.<br />Nunca mais foi visto.<br /><strong></strong><br /><strong>[9]</strong><br />Sou demasiadamente hiperbólico.<br /><br /><strong>[10]</strong><br />Perdeu a cabeça,<br />mas passa bem.<br /><br /><strong>[11]</strong><br />Passou a noite em claro,<br />com medo do escuro.<br /><br /><strong>[12]</strong><br />Amava mais o próximo.<br /><br />-----------------------Unknownnoreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-63299801342248155182009-03-20T00:11:00.007-03:002009-03-20T00:28:29.989-03:00ParanoicaImpossível precisar as câmeras instaladas nas marquises de Rayon, ou as viaturas que patrulham a beira-mar, ou as guaritas construídas alternadamente nas esquinas, ou as rondas policiais com seus trajetos pré-fixados, ou os canhões restaurados a postos nos fortes, ou os rasantes dos helicópteros acima da trama urbana. Com tal aparato, Rayon é indubitavelmente a mais vigilante das cidades hodiernas, o que induz o incauto a inferir sobre a violência e a desordem que infernizam seus cidadãos e justificam os investimentos realizados até aqui. Mas não é bem assim. Basta que ele repare nos cães que nada farejam ou nas automáticas que não atiram ou nas sirenes que ninguém escuta ou nas imagens que revelam crime algum. Em Rayon, as ações mais consistentes se resumem aos voos solitários de folhas de jornal, que emprestam ruídos e movimentos e interrupções ao ramerrão aborrecido da cidade. Pois é fato: a metrópole que aplicou tudo em equipagem e sistemas de proteção e que empregou todos habitantes em cargos de milícia e observação é a mesma que padece tristemente por não ter a quem vigiar.<br /><br />------------------Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-33906242280055449842009-03-10T23:31:00.005-03:002009-03-11T00:18:59.316-03:00Simples"Qual a pergunta mais simples do mundo?"<br />"Você é feliz? Pra mim é essa."<br />"Acho complicada. Tem outra?"<br />"Você pediu simplicidade. Eu te dei a mais simples."<br />"Prefiro dois mais dois são?..."<br />"Essa não é simples, mas fácil."<br />"Pra mim coincide: dois mais dois é tão simples quanto fácil."<br />"Discordo."<br />"Você é sempre do contra."<br />"A mais fácil é para quem sabe a resposta."<br />"Hum. E a mais simples?"<br />"Para quem entende."<br /><br />-----------------------Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-3522544374051338202009-03-07T14:35:00.005-03:002009-03-07T14:55:37.285-03:00InseguraNoé é uma cidade em fuga. Antes que a tempestade alague garagens, praças e ruas, que a enchente afogue aposentados, senhoras da elite e ratazanas, que a ventania derrube casinhas, casas e casonas feitas de argila e gravetos, que os relâmpagos fritem as crianças sapecas em correria nos campos, antes que ocorra uma desgraça capaz de arruinar o seu povo, Noé logo se antecipa, se reorganiza e se lança à procura da terra abençoada, onde o sol tranquilizará a todos com seu fervor. Os habitantes nem desfazem as malas, certos de que, em breve, irão zarpar escapulindo dos trovões que se anunciam. Esse nomadismo – para muitos peregrinação – acabou transformando as pessoas que vivem em Noé. Elas privilegiam a vigília das nuvens, desdenhando o traçado de novas alamedas ou o retoque das fachadas ou as migalhas dos pombos. Se um andarilho por acaso cruzasse com Noé no momento da ancoragem e a observasse por instantes, enxergaria naquele emaranhado de antenas, telhas, calhas, janelas, letreiros, becos, esquinas e vielas tão-somente a sala de espera da próxima chuva ou debandada. E anotando em seu caderninho, concluiria: a cidade não foge das calamidades e devastações e mortes que tanto diz temer, mas apenas de si mesma.Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-79980116984944177042009-01-15T22:30:00.008-02:002009-03-06T23:39:34.355-03:00O jantarmas olha isso. o macarrão grudou na panela. inteirinho. mas o quê! não quer sair de jeito nenhum. esturricou, não tem salvação. que diabos faço com você. aluga-se marido mongolóide. vou anunciar nos classificados. uma idiota acaba aparecendo e leva. tem muita idiota por aí. somos todas idiotas. burras, muito burras. sonhando com o príncipe encantado e conseguindo o neném da sogra. essa panela vai pro lixo. não tem jeito. a panela que o tio Oscar deu pra gente. e você, você vai comprar outra. agora. se vira meu bem. parcela, entra no especial, rouba. mas se vira. quero uma igual. igualzinha. ela vai ficar no cofre, pra evitar que isso se repita. quando quiser me surpreender, peça pizza. ou um chinês. ou um tailandês. mas não toque na minha cozinha, nas frigideiras, no fogão. agora vai. mas antes apague essas velas. volte o vinho pra geladeira. quando chegar já estarei dormindo. morta de fome. boa noite.Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-58575813247445465352009-01-13T22:42:00.012-02:002009-01-13T23:31:17.739-02:00Graduação do fumomulher meio fumo eu fodo e sumo. a Carla é defumada de feia. parece uma lambisgóia rajada de veia. basta falar o nome da vaca. fumo chamado Edicarla. então a surpresa. ela vem e diz amigo, põe em mim que eu preciso. o bagulho pedindo sassarico. eu explico: tudo bem se fosse meio fumo, mas fumo e meio eu não fodo nem assunto. o desespero dela, presumo. logo tira a roupa, revela o conjunto. porra é essa, mulher? quer matar de susto? sua filha da fome, irmã do defunto. veste isso tudo, não tem caridade. já disse, até meio fumo eu fodo e sumo. mais do que isso eu mudo a prosa. e pego outro rumo.Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-4923688795667984152009-01-12T21:39:00.003-02:002009-01-12T22:09:29.659-02:00Sinal de trânsitomoço, me larga, eu só tava pedindo, não ia roubá não moço, óia aqui a caixinha, pro pessoal colocá moedinha, óia moço, tá vendo?, por favor sinhô, meu braço tá dolorido já, baixa o vidro, me deixa ir, sou ladrão não, juro, meu pai até que é, isso eu digo, mas eu não sou ladrão não, ai ai moço, me solta, não tô sentindo mais, o sinhô vai ter coragem de arrancá?, é covardia, eu não quis roubá, juro, tava só pedindo troco, óia lá, óia lá o sinal moço, vai esverdeá já já, pelo amor do pai minha nossa senhora, se o sinhô avançá comigo agarrado o sinhô me despedaça todo, é maldade, não faz isso moço!, moço!, não acelera moço!, ai ai ai moço!, foi engano moço!, juro!, ai ai moço!, se eu confessá o sinhô me larga?, hein moço!?, tá me ouvindo, moço?, moço!?, moço!, moço!...Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-45341411278115781322008-10-14T13:45:00.010-03:002008-10-14T14:21:31.931-03:00PISÃOSaiba de uma coisa: o champanhe que a senhora delicadamente sorve neste exato momento é, tão-somente, o sumo da minha, da nossa desesperança, de modo que não adiantará mais à senhora despejar discursos hipócritas no lombo dos seus empregados, ou colaboradores, como a senhora gosta de chamar seus escravinhos, nem bafejar uma necessidade mentirosa por melhores resultados e, com isso, eu sei bem, promover cortes de orçamento, custo e folha, mas veja, não quero aborrecê-la com toda essa catilinária, afinal seus engravatados já estão vindo para me enxotar daqui, porém gostaria de lhe proporcionar, se me permite, uma última revelação da verdade - este pisão! - sim, isso mesmo, um pisão neste pezinho delicado, acomodado num tamanquinho que, acredito, vale mais do que o salário com que a senhora costumava me esmolar, pois é assim, com a dor estampada nessas suas faces cheias de tinta e cinismo, que a senhora poderá intuir sobre o dia-a-dia de quem é fodido como eu e que depende de gente como a senhora para seguir com a vida, ou não.Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-62544361098367641342008-10-12T12:31:00.004-03:002008-10-12T13:52:35.617-03:00A MAQUININHABebo mesmo. Muito. Misturo, viro e repito. Uma atrás da outra. Assim mesmo: rápido. Que é pra surpreender o cérebro. Bate a tonteira, argh... Vômito na calçada. Mas continuo: encho, saúdo e pá!, viro mais uma. Pra ver até onde o corpo agüenta. Sirvo outra, pá! E outra, pá! Argh... O fígado arregando. Maquininha de merda. Nem um litrinho e já engasga. Vou pra casa puto. Bem puto. Dou na mulher, nas crianças, a bicuda no cãozinho, aquela choradeira coletiva, o bicho ganindo. Ligo a tevê num pornô. Tento, não consigo, esse figadozinho... Durmo com o pau de fora. Para meu desespero, acordo. E sóbrio. Zero. A mulher e as crianças com seus coloridos. O cão trotando, uma pata recolhida. Não foi dessa vez. Ainda estouro esse órgão de quinta. Pra acabar com o sofrimento. Vamos lá. Rua de novo. Desce. Uma atrás da outra. Rápido. Que é pra surpreender o cérebro. Ver até onde o corpo agüenta. Eu não agüento mais. Mesmo.Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-4860699088052431252008-10-02T19:23:00.010-03:002008-10-08T23:33:39.578-03:00MEU QUERIDONão largo, não largo, não largo. Essa panturrilha é minha, ninguém tasca. Tudo bem. Você quem sabe. Quer partir pra ignorância? Fique à vontade. Mas vou avisando: antes das suas bordoadas, arranco essa batatona com os dentes. Qual a graça, hein? Hoje se fala porrada. Mas ainda prefiro bordoada. Sei que é antigo. Quando era menininha, cheia de viço e esperança, o pai costumava perder o controle: chega de arte, olha a bordoada! Ele nunca me bateu. Nem você, querido. Mas se me deixar, vai ter mesmo coragem?, eu mordo e mastigo essa panturrilha. Inteirinha. Juro. Depois me mato. Não sei exatamente de que forma, mas eu me mato. Pulo da varanda, veneno de rato, corte da carótida, linha do trem. Ah, quer andar à força? Vai, tenta. Quero ver. Quero ver você me arrastando pelo elevador, pelo hall, pelas ruas. Já disse e repito: não largo, não largo. Esperei um amor na vida. Muito tempo. Agora que veio, não largo mais. Tudo bem. Se a batata não lhe faz falta, vá em frente. A escolha é sua. Eu já fiz a minha. Nela, você faz falta. Muita falta. Querido.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-5536428406624852852008-09-29T20:59:00.004-03:002008-09-29T22:34:19.507-03:00TIMINHOA rolha do Aurora, cabernet sauvignon, deslizou suave pelo tubo da garrafa, emitindo um som redondo, "póh!", ao ser totalmente retirada. Servi as taças. Ela observou o líquido através do cristal, bebeu.<br /><br />"Vinho barato. Não é assim que se ganha uma garota." Viviane, sincera. Um certo charme.<br />"Se ela estiver morta, tanto faz." Eu, sincero.<br /><br />Viviane ainda tentou fugir. Desabou no corredor e ali mesmo sofreu as primeiras convulsões. Assisti a tudo da cadeira, bebericando a taça. A moça foi ficando roxa e retesada, encurvando-se numa letra cê. Quando grunhiu o último chiado, resolvi ligar a televisão pra saber o resultado do jogo. Perdíamos: quatro a zero. Desliguei.<br /><br />Passei a noite inteira curtindo a garota. Nem lembrei mais do time, este sim, muito barato. Não é assim que se ganha um campeonato. Sejamos sinceros. Eu sempre fui.Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-52277850042010850722008-09-17T22:54:00.004-03:002008-09-21T14:58:24.364-03:00O QUE O TEMPO TRAZTe dou um trago. Mas pede direito. Trago de amor não se acha na esquina. Agora capricha. Se for bom, além do trago te dou um trato. Você sabe. Não se faça de besta. Então quer ir direto, pular o trago. Entendi: foda-se o trago. E com ele o pedido. Tudo bem. Sabe, as mulheres costumavam ser românticas. Talvez eu tenha envelhecido depressa. O tempo estraga tudo, mas também conserta. Não sei do que estou falando. Agora vira, garota. Que te dou um trato. Ponho no teu rabo. Se quiser, vou pondo e fungando no cangote. Tudo ao mesmo tempo. O que acha? Não é bem um trago de amor, mas enfim. A gente se adapta nessa vida. Um dia você aprende. Ainda tem tempo. Muito tempo.Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-84929600488028978562008-09-15T20:46:00.006-03:002008-09-15T23:32:12.657-03:00FATOR DE PROTEÇÃO<div align="left">Tô avisando. Se essa mulher do porta-retrato falar de novo, eu meto a paulada. Virou moda, só pode. Eu ligo o PC, abro o editor de textos e antes de teclar uma palavra, ela dispara: estou toda ardida, cadê o protetor solar? Na boa, não compreendo. Ela está em Londres. O nariz vermelho de frio. As bochechas também. Os carros estão cobertos de neve. No alto da foto, um céu de nuvens acinzentadas. Agora me diz: pra quê protetor? A moça é louca. Só pode. Então vou avisando. Se abrir a boca, desço a vassourada. Preciso trabalhar, ora. Este escritório custou uma grana. Agora, por favor... Estou toda ardida, cadê o protetor solar? Ah, tá bom. Fale o que bem quiser. Não vou espatifar um porta-retrato deste por causa de uma... enfim. Anda logo, vai. Desembucha. Qual é seu fator de proteção?</div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-43783292478205750692008-09-14T23:21:00.006-03:002008-09-15T01:07:03.807-03:00A SECOSe tivesse uma pistola, eu atirava. Não tenho, sorte dos outros. Senão eu disparava fogo mesmo. Sem dó. Não tenho nada a perder. Ainda mais para quem já perdeu tudo. Pastei no tempo. Essa é a verdade. Ele passou e não deu nada em troca. Agora é tarde. Não tenho forças, nem vontade de reagir. O jeito é engolir os outros. Os que souberam tirar do tempo. Admiro esse pessoal. Sobretudo, um pessoal com sorte. Se eu empunhasse a arma, eles iam ver só. Iam ver o fim. O meu fim. Com um tiro certeiro. Bem na testa. Bem na frente de todos. Na frente desse povinho sortudo. Azar o meu.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-31731059269400921732008-09-11T22:29:00.006-03:002008-09-11T23:29:06.063-03:00IDAEsse calor e nós aqui dentro. Pobre tem vez não. Só tomando bafão na cara. Ocê sentiu? O perfume de axila? O do meu lado. Mó sovaco azedo do inferno. Deus perdoa. E o de trás? Só relando na nêga. Relando firme toda vez que o motô freia. Doido pra descascar uma. Pobreza é osso. Tem vez não. Já é o próximo. Êta! Tá levando boiada não! O trocadô fica só rindo. Mais o motorista. Bando de fédaputa. Ufa, que alívio. Tá um dia lindo aqui fora. Nem dá tempo de apreciá direito. Simbora limpá bunda de patroa. Tem vez não. Mais tarde nós se vê no ponto, fia. Com Deus ocê também.Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-51481931637419686932008-07-22T18:50:00.003-03:002008-07-22T18:59:34.620-03:00Antídoto para a semana*A menina anuncia a promoção de lavadora nos alto-falantes. Vamos trocar de vez aquela tranqueira?, pergunto em tom brincalhão. Ele costuma praguejar contra a ineficiência do nosso eletrodoméstico e suas dezenas de botoeiras, sua pintura descascada e seus gastos de energia elétrica. Essa joça não limpa nem a barra – ele sempre comenta. Hoje preferiu ignorar minha sugestão e seguir guiando o carrinho de compras. O Moacir tem preguiça de supermercado, daí o mau-humor.<br /><br />Gosto de organizar os produtos no carrinho. Um ‘paredão’ de embalagens de papel higiênico separa os materiais de limpeza dos itens alimentares. Moacir acompanha tudo e dispara: quanta frescura, viu. Agora sou eu quem finge não escutar. Continuo apanhando as mercadorias nas prateleiras, ajeitando-as como bibelôs. Ele vem atrás, suspira o tempo inteiro. E me aflige.<br /><br />Sinceramente? O Moacir tem preguiça de supermercado e de mim. Ele não sorri faz tempo nem conversa direito, mas se relaciona muito bem com a tevê e o Lázaro. Fosse por ele, já teria me despejado da cama e acomodado o cãozinho no lugar. O Lázaro é o único a receber seus elogios, carícias e beijos. A tevê, a única a receber sua atenção. Eu não me dou por vencida. Ao deitarmos, afago os seus cabelos – na verdade os enrolo com mais vigor. Chega disso, sussurro no ouvido dele, não quero mais esse negócio de você longe de mim. Ele vira de lado, pára de tolice mulher, longe como se a gente tá sempre junto? Antes que eu mergulhe no assunto, ele submerge no sono. Decreta o boa noite, e apaga.<br /><br />Trágico mesmo é passar no caixa. O resto é sopa. O Moacir estaciona o carrinho e pronto. Dá a missão por cumprida. Escorado no guichê ao lado, ele me observa com indiferença enquanto transponho os produtos para a esteira com a mesma disposição higiênica – limpeza, papel, alimentos. Eu não lhe peço auxílio, pois sei como pensa: qual ajuda pode ser melhor do que pagar a conta? Os que esperam na fila cochicham, minhas bochechas enrubescem. Se ao menos embalasse as mercadorias... Assim que esvazio o carrinho, sigo à outra extremidade do balcão e inicio o ensacamento, sempre obediente àquela lógica, você sabe. E ele lá, bocejando.<br /><br />As pessoas me olham com certa comiseração. Quando o Moacir finalmente se move, tira a carteira do bolso e saca o cartão, os enfileirados, já impacientes, danam a confabular. É como se confirmassem a previsão: a mulher rala, o marido paga. Chego a ouvir um rapaz dizendo: ainda existe gente assim?<br /><br />O Moacir retoma a carrinho com naturalidade, esbanjando alívio pelo fim das compras. Ele abre o porta-malas e me espera descarregar as sacolas. No trajeto para casa, insere o disco enquanto solta o comentário usual – a conta está cara, vamos maneirar nas guloseimas. No instante em que a bossa se espalha pelo veículo, e ele passa a cantarolar as letras, sou invadida por essa sensação de angústia e relaxamento, por essa esperança burra que me fará aturá-lo por mais uma semana, até voltarmos ao supermercado e começar tudo outra vez.<br /><br />Eu disse tudo outra vez.<br /><br /><em>(*) Conto publicado no jornal O Estado de S. Paulo, no dia 20 de julho, em suplemento especial de comemoração aos 50 anos da Bossa Nova.</em>Unknownnoreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-7705360.post-89483312596038692882008-06-06T17:53:00.003-03:002008-06-06T18:42:52.476-03:00O PIOCom tanta algazarra,<br />o sossego não sossega.<br />Órfão do silêncio,<br />resta-lhe o pio.Unknownnoreply@blogger.com0